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COP no Brasil é chance histórica de completar ciclo da Eco-92, diz Al Gore em entrevista a Luciano Huck

Al Gore é um dos pioneiros do échancehistópara ganhar na quina tem que acertar na ordemativismo climático. Muito antes de a pauta ambiental ganhar for?a nos fóruns multilaterais e no setor privado, ele já alertava o mundo para a urgência da crise climática, unindo a experiência de senador e vice-presidente dos EUA ao compromisso de pesquisador e divulgador. Sua atua??o ajudou a tornar o tema parte da agenda política e social global, aproximando ciência, ética e a??o prática. 'Diz coisas comprovadamente falsas’: Al Gore diz que a??o de Trump contra o Brasil ofende os próprios americanosVídeo: A três meses da COP30, Aeroporto Internacional de Belém registra alagamento na área de embarque Numa conversa de quase três horas, o Nobel da Paz de 2007 fez quest?o de sublinhar um de seus diagnósticos mais contundentes, de que a crise climática é, antes de tudo, uma crise dos combustíveis fósseis. Para ele, a dependência estrutural do petróleo, carv?o e gás natural n?o é apenas um problema ambiental, mas um erro coletivo que amea?a a própria sobrevivência da humanidade. Gore se mostra otimista quanto a isso, porém. Lembra que a humanidade já superou outros desafios éticos e tecnológicos no passado e afirma que a transi??o para um modelo energético sustentável é possível, se alocado capital para os países em desenvolvimento e de baixa renda. Nesse sentido, ele enxerga a realiza??o da COP30 no Brasil, no cora??o da Amaz?nia, como um momento histórico. Apesar das dificuldades logísticas e políticas que cercam o encontro de novembro em Belém, ele aposta no protagonismo brasileiro e no apoio popular a um acordo climático robusto. Para ele, a conferência representa a chance de completar um ciclo iniciado em 1992 no Rio de Janeiro, na Eco-92, quando a agenda ambiental global come?ou a tomar forma. Abaixo, compartilho trechos desse nosso bate-papo, editados para maior clareza e fluidez. A íntegra da conversa estará disponível em breve no Globoplay. Leia a entrevista. Eu estava lendo sobre Yuval Harari e ele questionou o quanto realmente fazemos jus ao nome de Homo sapiens. Estamos à beira de uma catástrofe ambiental causada pelo uso indevido de nosso próprio poder. O que você acha? Estamos cometendo erros muito graves e perigosos ao usar o céu como um esgoto a céu aberto para toda essa polui??o que retém calor, 175 milh?es de toneladas por dia. A parte inferior do céu, aquela fina camada azul que envolve nosso planeta, é azul porque é onde está o oxigênio. E é t?o fina que, se você pudesse dirigir um carro diretamente para o alto, chegaria ao topo dessa fina camada azul em cinco a sete minutos, ou poderia caminhar até lá em uma hora. E é isso que estamos usando como um esgoto a céu aberto. E a quantidade acumulada de polui??o causadora do aquecimento global agora retém tanto calor extra no sistema terrestre todos os dias quanto a quantidade de calor que seria liberada por 750.000 bombas at?micas do tipo de Hiroshima explodindo todos os dias. é uma loucura o que estamos fazendo. Enfrentamos desafios éticos, morais e de sobrevivência no passado e os superamos. Mas agora o tempo está se esgotando. Precisamos nos libertar de nossa dependência tóxica e suicida dos combustíveis fósseis. A crise climática é uma crise dos combustíveis fósseis. Entre tantas qualidades, acho que um dos seus maiores pontos fortes é a capacidade de explicar quest?es complexas de uma maneira muito simples. Hoje, todos sabem sobre o risco da camada de oz?nio. Os desodorantes s?o diferentes agora, as geladeiras que você tem em casa s?o diferentes agora. Isso mudou muito gra?as a você. Qual o balan?o que você faz desses 20 anos de atua??o? Muitas coisas mudaram. Se você observar toda a nova capacidade de gera??o de eletricidade instalada em todo o mundo, ficará surpreso ao saber que 93% dela é de fonte renovável, principalmente solar, eólica e baterias. Isso é novo. N?o era assim há 20 anos nem há 10 anos. De todos os carros vendidos no ano passado, 20% eram veículos elétricos. Na China, s?o mais de 54%. Mudan?as como essas me d?o esperan?a. No entanto, também houve mudan?as negativas. A quantidade de polui??o causadora do aquecimento global lan?ada na atmosfera continuou a aumentar e no ano passado atingiu o nível mais alto de todos os tempos. Todos os países ricos viram um declínio em suas emiss?es, e as emiss?es da China come?aram a diminuir. Mas temos que arrumar o sistema financeiro mundial para alocar capital, de modo que os países menos desenvolvidos e de baixa renda também possam participar dessa grande transi??o para a energia renovável, veículos elétricos e outras formas de sustentabilidade, como a?o verde e cimento verde. Do aumento nas emiss?es nos próximos anos, 100% vir?o dos países menos desenvolvidos. Mencionei que 93% de toda a nova gera??o de eletricidade é renovável, mas é preciso destacar que 85% do dinheiro que pagou por isso veio do setor privado. Os países de baixa renda, porém, n?o têm o mesmo acesso ao capital privado. As taxas de juros que eles têm que pagar podem ser duas ou três vezes mais altas devido às preocupa??es dos credores. Por isso é importante ter institui??es como o BNDES, no Brasil, que podem reduzir os riscos dos investimentos de fontes de capital privado para ajudar a impulsionar essa transi??o energética. Falando de capital e meio ambiente, e sobre transformar mensagens complexas de maneira simples, acho necessário quebrar o impasse entre produzir e preservar. O setor agrícola muitas vezes tem dificuldade em ouvir os ativistas climáticos e ambientais — e vice-versa. Você é ativista, você é político e você é agricultor. Qual a melhor e mais eficaz maneira de encontrar um terreno comum e como podemos alcan?ar o público em geral em um mundo polarizado e ideologicamente dividido? Um bom ponto de partida é fornecer informa??es precisas às pessoas sobre a verdadeira situa??o em que nos encontramos, por exemplo, sobre por que é melhor, em todos os aspectos, mudar para energias renováveis e tecnologias sustentáveis. A indústria de combustíveis fósseis é quase uma hegemonia global, tem muito poder político. Basta ver o que aconteceu dias atrás com a negocia??o de um tratado sobre plásticos na ONU. A indústria de combustíveis fósseis impediu qualquer acordo, porque está triplicando a produ??o de plásticos a fim de compensar as perdas decorrentes de as pessoas mudarem para a eletricidade renovável e o transporte elétrico. Manipularam o processo da ONU e escreveram as regras, exigindo unanimidade para aprovar qualquer coisa. Nós, seres humanos, agora temos plásticos em nossa corrente sanguínea e em nossos cérebros. Os cientistas ainda n?o determinaram exatamente o que isso está causando em nós, mas sabemos que n?o é saudável. Precisamos nos libertar do poder hoje exercido pelos poluidores de combustíveis fósseis. A última COP falhou em deliberar algo mais contundente sobre combustíveis fósseis. E, a meses da COP 30, aqui no Brasil, estamos na iminência do início da explora??o de petróleo na bacia amaz?nica. Fala-se muito também da ausência de Donald Trump, do recuo da agenda ESG no setor privado, da reconstru??o de uma rodovia no Amazonas, do desafio logístico em Belém… Todos esses sinais projetam a sensa??o de fracasso da COP no Brasil. Eu penso de forma diferente, talvez por procurar sempre enxergar a metade cheia do copo e buscar sempre as chances de conex?o e consenso. Só o fato de haver uma COP e de ela reunir tantas delega??es em pleno cora??o da Amaz?nia na atual conjuntura me parece uma conquista expressiva. Queria saber seu prognóstico geral sobre a COP deste ano, se de fato é possível ser positivo, sen?o otimista, sobre o encontro. Sou positivo, penso como você. Tenho grande respeito pelo presidente Lula, e o embaixador André Corrêa do Lago foi uma escolha fantástica para a presidência da COP30. Tenho a sensa??o de que muitos desses problemas que você mencionou ser?o resolvidos. Estarei presente de toda maneira e venho encorajando os delegados a comparecerem, porque este é o momento de completarmos um ciclo. Estive no Brasil há 33 anos como senador dos EUA, presidindo a delega??o na Cúpula da Terra (Eco-92) realizada no Rio. Foi aí que todo esse processo come?ou. Você incentiva e inspira muitos líderes em todo o mundo em rela??o ao clima. Você está no Brasil por alguns dias conversando com muitas das nossas lideran?as. Qual sua avalia??o dessa visita? O que mais me impressionou é a porcentagem esmagadora da popula??o brasileira que apoia um acordo climático forte. é por isso que estou otimista sobre o sucesso da COP30. Também estou muito impressionado com o fato de o Brasil ser o único país do G20 com 90% de sua energia elétrica proveniente de fontes renováveis. O Brasil enfrenta muitos desafios, estou plenamente ciente disso. Mas acredito que o forte apoio do povo brasileiro para fazer a coisa certa fará com que este país tenha um futuro muito brilhante. Amanh? vou me encontrar com o Cacique Raoni. Devo enviar uma mensagem sua para ele? Diga a ele que espero que sua voz seja ouvida em alto e bom som nas delibera??es da COP30. E n?o acho que seja por acaso que em muitos países, incluindo o meu, haja uma aprecia??o crescente pela sabedoria que vem das culturas e sociedades indígenas. De certa forma, o mundo moderno nos encantou e nos afastou da natureza. E, de modo geral, os povos indígenas têm essa conex?o próxima com o mundo natural que seria bom para nós restabelecermos. Do que realmente precisamos, n?o apenas para proteger o planeta, mas também para reduzir a desigualdade e melhorar a eficiência do mundo? é uma ótima pergunta. N?o é feita com frequência e deveria ser mais. Houve duas grandes mudan?as que deram origem ao autoritarismo e ao populismo de direita. A primeira delas foi a globaliza??o da economia. Depois que a China aderiu à Organiza??o Mundial do Comércio no início deste milênio, isso acelerou a redistribui??o da produ??o para locais com baixos salários. EUA, a Uni?o Europeia e outros exemplos perderam muitos empregos. Isso levou a mais desigualdade de renda e causou muita raiva e frustra??o. A segunda grande mudan?a foi na forma como nos comunicamos uns com os outros. Existem algoritmos abusivos e predatórios que distribuem a aten??o e controlam a aten??o das pessoas. As pessoas est?o constantemente rolando e rolando suas telas porque esses algoritmos controlam sua aten??o. Ah, você gosta desse tipo de conteúdo? Vamos te dar mais dele. As pessoas caem numa espécie de buraco do coelho, e, no fundo dessa toca, fica a camara de eco. E, se você passar muito tempo na camara de eco, fica vulnerável a outro tipo de insanidade artificial da IA. Surgem as teorias da conspira??o, a sociedade da Terra plana e a nega??o das mudan?as climáticas. Nossa capacidade de raciocinar juntos fica menor neste ambiente de comunica??o selvagem, com tantas pessoas presas em camaras de eco, acreditando em bobagens constantemente refor?adas. Mas eu tenho alguma esperan?a. Estamos vendo o início do desenvolvimento de redes sociais pró-sociais. E o Yuval Harari, a quem você mencionou no início da conversa, apontou em seu último livro que, quando a imprensa foi introduzida, há 500 anos, houve um longo período de guerras religiosas e conflitos tremendos enquanto as pessoas se acostumavam com o novo sistema de comunica??o. Acho que também estamos passando por um período de transi??o agora. Você costuma dar um bom exemplo sobre múltiplos pontos de vista, a história de quando você levou sua filha a um observatório astron?mico. Pode relatá-la para a gente? Porque acho que ela aponta um caminho. Sim, fico feliz em compartilhar esse exemplo. Foi uma visita a dois telescópios idênticos no topo de um dos grandes vulc?es extintos no Havaí, na Ilha Grande, a 60 metros de distancia um do outro. Uma das coisas incríveis que os cientistas descobriram é que, mesmo observando uma supernova a 100 milh?es de anos-luz de distancia, fazê-lo de dois pontos diferentes, separados por apenas 60 metros, aumentava enormemente a quantidade de informa??es obtidas. Uma das raz?es pelas quais as democracias representativas tomam decis?es melhores do que as autocracias é porque, quando funcionam bem, elas colhem a sabedoria das multid?es. E coletivos s?o muito mais inteligentes do que o indivíduo mais inteligente, porque est?o vendo mais coisas, captando mais coisas e aprendendo mais. Desde o final do século XX, a geopolítica passou por um poderoso ciclo de coopera??o mútua e um dos períodos mais pacíficos da história. Mas isso mudou nos últimos anos, e agora os EUA est?o entrando na agenda preocupante da superioridade. Como você vê essa mudan?a? Bem, mencionei anteriormente o surgimento da desigualdade de renda, de modo que os ricos ficam mais ricos, os pobres ficam mais pobres e a classe média também fica mais pobre. Estamos vendo uma porcentagem enorme da nova riqueza criada indo para o topo — n?o apenas para os 1% mais ricos, mas para os 0,01% mais ricos. E o resto das pessoas veem seus estilos de vida luxuosos e pensam: bem, isso n?o é justo. A saúde, por exemplo, para a pessoa média nos EUA n?o está funcionando bem. Mas os muito ricos têm o melhor que se pode imaginar. O mesmo acontece com a moradia, o mesmo acontece com outras despesas. E ent?o essa raiva foi explorada por um demagogo. Eu considero Donald Trump um demagogo. N?o devo falar do meu presidente quando n?o estou no meu próprio país. Mas vou ser franco com você: acho que ele é um demagogo que explora essa raiva e esses medos e leva os EUA a políticas que n?o s?o boas para a maioria. Há algumas semanas o Brasil recebeu uma carta de Trump impondo uma tarifa unilateral de 50% sobre as exporta??es brasileiras. Os EUA justificaram isso com quest?es n?o relacionadas ao comércio entre os dois países. Ent?o, isso desencadeou a maior crise diplomática em mais de 200 anos de uma rela??o muito boa. Como você vê essas medidas do governo dos EUA contra o Brasil? é muito lamentável, porque o povo do Brasil e o povo dos EUA sempre tiveram uma amizade muito forte. Essa decis?o é completamente irracional, de exigir que o sistema judiciário brasileiro tome a decis?o que ele quer. Apreciei muito a declara??o do presidente Lula de que ele n?o foi nomeado imperador do mundo. Mas há outro aspecto para o qual gostaria de chamar a aten??o. Trump justificou sua tarifa de 50% proclamando falsamente que os EUA têm um grande déficit comercial com o Brasil. Isso é uma mentira. Mas ele diz muitas coisas que s?o comprovadamente falsas. Ele diz que o carv?o é limpo. Ele diz que os moinhos de vento causam cancer. Ele diz que a Ucrania come?ou a guerra com a Rússia, e n?o o contrário. A Rússia invadiu a Ucrania. Todos sabem disso. Mas ele proclama essas mentiras e tem alguns aliados em parte da mídia americana que obtêm sua receita publicitária das mesmas pessoas que apoiam Trump. E ent?o eles têm medo de entrar em conflito com Trump. E eles simplesmente dizem constantemente que ele é a melhor coisa que já conhecemos e tudo mais. Portanto, seu poder permaneceu intacto, apesar de sua terrível desonestidade nas declara??es sobre o Brasil e sobre tantas outras coisas. Mas posso dizer mais uma coisa sobre sua rela??o com os fatos? Sei que é errado comparar a Alemanha nazista a qualquer situa??o atual ou Hitler a qualquer indivíduo atual, porque aquele foi um mal único, completo. No entanto, é importante aprender li??es com a história. E, se me permitirem, havia um grupo de filósofos na Alemanha que escapou dos nazistas antes que eles assumissem o poder. Eles viram isso chegando. E, após a guerra, eles voltaram para a Alemanha e realizaram uma espécie de autópsia moral sobre o que aconteceu quando a Alemanha come?ou sua descida ao inferno na década de 1930. Um deles, o filósofo Theodor Adorno disse que o primeiro passo na descida ao inferno foi, nas palavras dele, “a convers?o de todas as quest?es de fato em quest?es de poder”. E, se pensarmos nisso por um momento, é t?o comum na história das autocracias que o ditador ou o aspirante a ditador tente assumir o controle da própria realidade, proclamando que a realidade n?o é o que as pessoas veem com os próprios olhos. é o que o ditador diz que deve ser. Há apenas duas semanas, tivemos novas estatísticas econ?micas divulgadas sobre o baixo número de empregos criados. Trump disse que eram falsas. E demitiu injustamente a pessoa responsável pelo estudo estatístico. Mas ele fez isso por causa de seu desejo de converter quest?es de verdade em quest?es de poder. E se um ditador consegue definir o que as pessoas reconhecem como verdade, mesmo que seja baseado em mentiras, ent?o esse é o primeiro passo em dire??o à autocracia. Você acha que a democracia nos EUA está em risco neste momento? Está sob ataque. Mas ela tem 250 anos e é mais resiliente do que muitas pessoas creem que seja. Acredito que ela sobreviverá, mas certamente há muitos que n?o est?o t?o certos quanto eu. Para terminar, gostaria de saber se valeu a pena dedicar sua vida tentando salvar o planeta. é um grande privilégio ter um trabalho ao qual dedico toda a minha energia e que me devolve tanto. Gostaria de ter sido mais bem-sucedido no que fiz até agora, mas ainda n?o terminei. 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